Infecção: A saga para remover um piercing que deu errado

24 setembro 2017 —


Já faz uma semana que estou engolindo comprimidos alaranjados com aroma de pêssego de 6 em 6 horas. A premissa desses comprimidos é a de eliminar bactérias que estejam causando uma infecção localizada. No meu caso, muito provavelmente se trata de um microrganismo conhecido como Staphylococcus aureus, uma bactéria que vive tranquilamente na pele mas que, quando entra no corpo, pode causar vários problemas.

Essa desgraçadinha resolveu entrar no buraco do meu piercing, que eu já tinha há mais ou menos 6 meses, mas que estava ferido após bater a boca algumas vezes. Na verdade, eu já sabia que isso ia acabar mal por conta de 3 fatores:

1. O piercing nunca cicatrizava: Eu sei que demora pra piercing cicatrizar, mas de repente ele voltava a sangrar com uma facilidade que não dava pra entender — só depois eu entendi o porquê e explicarei mais a frente;
2. Eu nunca me dei bem com piercing: Retirei um no nostril (aba do nariz) por conta da formação de uma queloide e duas vezes no septo por infecções, mesmo cuidando bem;
3. Parecia que o piercing era ímã de batidas: Enroscava em uma blusa aqui, aí enroscava no cabelo do namorado, depois batia a boca na maçaneta da porta, depois levava uma na cara brincando de lutinha com o boy (sim, somos muito infantis)...

Resumindo, tinha tudo pra dar errado. E deu.

Em uma semana extremamente estressante, com entrega dos trabalhos da faculdade e provas vindo, minha imunidade abaixou e aconteceu: domingo de manhã, acordei com a boca tão inchada que eu sentia que ia explodir. Corri para o hospital, onde a médica me passou um antibiótico, anti-inflamatório e anti-histamínico. Pediu que, assim que desinchasse, eu fosse tirar o piercing. Foi triste, porque gostava bastante dele, mas aceitei sem problemas. Sempre soube que era questão de tempo até eu precisar tirar.

Comecei a tomar os medicamentos. No dia seguinte, o lábio já tinha desinchado uns 80% por fora, mas nada por dentro. Na parte interior da boca, não dava para ver a plaquinha de metal que tem no piercing para impedir que ele caia pra frente, o inchaço simplesmente tinha “engolido” essa parte da joia. Fiquei com medo, mas me acalmei porque, afinal de contas, ainda tinha muita coisa pra desinchar.

Três dias se passaram e nada de desinchar a parte de dentro. Na frente, estava tudo certo, parecia um piercing normal recém-furado (porque saia algumas secreções), mas nada demais. Por dentro, não havia nem sinal da plaquinha de metal. Fui no body piercer pedir uma ajuda, mas infelizemente ele não pode fazer nada: o corpo havia tentado expulsar a joia, fazendo ela ir pra frente e “enterrando” o piercing na carne. Numa tentativa do corpo se reparar, ele fechou a parte de trás, por cima da plaquinha de metal.

O estranho é que o próprio body piercer nunca tinha visto nenhuma situação assim. Claro, ele já tinha visto o inchaço comer o piercing, mas esse tipo de infecção, extrema, ele nunca tinha visto. A hipótese dele é que, na verdade, o furo acabou rompendo algum micro vaso sanguíneo local, o que criou o ambiente perfeito para infecções. Essa hipótese também explica o porquê de ele nunca cicatrizar e começar a sangrar repentinamente. Juntando isso com a queda da imunidade, só podia dar caca.

Saí do estúdio desconsertada, muito triste em ver que o meu caso não era de fácil resolução. Só havia uma alternativa: o bisturi.

Fui para o hospital, já com aquela sensação de que não era uma boa ideia porque médicos adoram falar mal de piercing, tatuagem e qualquer outra arte que faz parte do body modification. Após 1 hora esperando, fui atendida e a médica me disse que não podia fazer nada porque não haviam cirurgiões de plantão. Fiquei pê da vida e comecei a chorar. Ela achou que eu estava brava com ela, quando na verdade estava brava com a situação. Sei que ela era clínica geral e não tinha qualificação para fazer o que meu caso necessitava, mas não pude impedir de me sentir horrível só de pensar em voltar para casa com o raio de joia ainda na minha cara, impedindo que a infecção de resolvesse.

Meu namorado ficou igualmente puto e, por isso mesmo, resolveu não me levar para casa. Fomos para outro hospital no qual havia cirurgiões de plantão a noite inteira. Tive que explicar novamente toda a situação e consegui, finalmente, alguma perspectiva de que teria o corpo estranho removido ainda naquela noite.

Entregaram-me uma pulseirinha de cirurgia geral. Para muitos (inclusive meu namorado), este era o pior pesadelo. Para mim, o maior alívio de todos.


Fui chamada por um moço novinho, que me conduziu até uma sala e mediu meu pulso, pressão sanguínea e todos esses procedimentos básicos de hospital. Acredito que ele era um estagiário ou residente, porque a falta de experiência era bem óbvia, mas me senti em boas mãos mesmo assim. Fiquei feliz que ele deixou meu namorado me acompanhar. Caso contrário, certamente ficaria mil vezes mais ansiosa.

Depois disso, chegou o cirurgião. Após explicar toda a história (porque não basta explicar só pra balconista, tem que explicar também pra todo e qualquer médico que você encontra no caminho), ele disse que ia preparar os materiais. Era um homem bem humilde, não me julgou por um segundo e nem me culpou por tomar uma escolha errada, como ouço direto meus colegas me contando: “o médico foi um filho da puta, falou que eu merecia por ter feito isso com meu corpo”. Engraçado que, para cirurgia plástica, ninguém fala isso, né? Enfim.

Com os materiais todos preparados, ele chega e me diz: “Olha, tecido infeccionado é complicado, porque tem um pH mais ácido e a anestesia não pega direito. Pode doer um pouquinho”. Será que eu não tive um mini infarto?

Pois bem, ele aplicou a anestesia e ela fez o efeito esperado. Senti apenas a picada da agulha, o líquido entrando e depois a perda da sensibilidade. Quando ele cortou a pele para expor a plaquinha de metal, senti uma leve picadinha. Tendo exposto, ele não sabia muito bem o que fazer. Virou para meu namorado e disse: “Você tem mais experiência com piercing, consegue tirar pra mim?”.

Pra quem não sabe, meu namorado detesta hospital, médico, cirurgias, tudo que esteja relacionado a esse assunto. Só de ver o meu lábio inchado no início da infecção, quase desmaiou. No entanto, corajosamente, ele vestiu luvas e aceitou o desafio: colocou a mão na minha boca, ficou com as luvas todas machadas de sangue, tudo isso pra conseguir desrosquear o raio da bolina do piercing. Infelizmente, ele não conseguiu. Por ter muito medo de me machucar, ele não conseguiu aplicar a força necessária pra fazer a bolinha girar e desrosquear. Se estava doendo? Bem, a parte de fora não recebeu anestesia, então sim, doeu bastante.

Eis que o médico tentou. Piorou a dor em duas vezes, mas ele conseguiu tirar a bolinha. Foi uma festa na salinha: luvas ensanguentadas, piercing removido e risadas de alívio. Não foi feito ponto porque, por haver uma infecção, poderia formar um abscesso. O médico disse “pois é, realmente não tinha outro jeito. Havia formado 3 milímetros de pele, jamais daria pra tirar sem fazer uma incisão”.

Eu e meu namorado nos entrelhamos, nos comunicando com o olhar daquela maneira que os casais e melhores amigos fazem. Mesmo sem falar uma palvra, tenho certeza que nós dois pensamos “caralho, deu bosta meeesmo, rapaz!”.

Não demorou muito para que eu fosse liberada e saísse do hospital. No carro, menos de 30 minutos depois da cirurgia, a anestesia já tinha passado e eu sentia uma dor extremamente chata na parte interna do lábio. Com o piercing em mãos, fiquei cantarolando uma canção sem sentido, com uma melodia típica de final de filme. Eu e meu namorado ríamos da desgraça que foi o dia, ao passo em que estávamos aliviados de termos nos livrado do piercing demoníaco.

Agora, tem um buraco no meu rosto que está cicatrizando. Ainda está bem feio, mas acredito que ele vai ficar ok depois. Nada que tenha realmente estragado a minha beleza.

Quanto a anestesia ter passado rápido: eu não faço ideia de quanto tempo deve durar uma anestesia local, sei apenas que não era a primeira vez que seu efeito passava antes do esperado. Na primeira vez, ao remover umas verrugas que eu tinha nas pontas dos dedos, a anestesia passou antes do processo terminar. Na segunda, ao remover o dente do ciso, ela parou de funcionar no meio da operação. Fica aí a dúvida: será que meu corpo tem algum problema com a anestesia?

Não sei. Só sei que, independente de qualquer coisa, eu já sabia que eu vim a esse mundo pra sofrer.

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